A tentativa de apagar fontes históricas não é novidade em nossas terras. O eminente Rui Barbosa foi acusado de dar a ordem para que os arquivos da escravidão fossem destruídos conforme artigo publicado no Jornal Jurid de setembro de 2020. Ainda conforme o Jornal, “O arquivo materializa e confere operacionalidade a uma verdade, ou seja, o arquivo constitui-se e compara em uma concepção histórica sobre a História”.
O Jornal do Brasil, que foi um dos mais importantes jornais da América do Sul, por um total desrespeito a mais de uma centena de profissionais que deram, em muitas ocasiões, a vida pela notícia, deixa seu precioso arquivo literalmente entregue aos ratos e baratas em um lugar sem as mínimas condições de conservação, na Ilha do Governador.
Tive a honra (e a sorte) de trabalhar no JB, em dois períodos, sob a orientação de Alberto Ferreira, talvez o maior editor fotográfico de todos os tempos, e de Rogério Reis, mais que um editor, um grande amigo. A decadência do JB vem sendo efetuada ao longo dos anos, por pessoas que julgavam que poderiam dirigir um jornal respeitado, (e temido) pelos governantes eventuais, com se fosse uma fábrica. Talvez quisessem transformá-lo em uma fábrica de notícias, bem ao estilo do Capitalismo Tardio, um total desrespeito dos últimos donos, Nelson Tanure e Omar Peres, o Catito, dublê de dono de um famoso restaurante na Zona Sul. Administrar um jornal é um pouco diferente de lidar com ferros e carcaças em um estaleiro naval. Uma plêiade de excepcionais jornalistas embarcou em um navio que já afundava antes de sair ao mar. Estão até hoje sem receber o fruto de seu esforço em épocas difíceis, seja em dívidas trabalhistas seja em direitos autorais. Mas, como dizem, a “Justiça é Cega” e, às vezes, um pouco lenta. Muitas fotos estão sendo vendidas por qualquer preço, seja em barracas da Pça XV ou em leilões, por alguns míseros trocados.
A “queima de arquivo”, no jargão policial, é feita pela eliminação física da testemunha. É um hábito de criminosos de todos os tipos, tão em uso em nossos dias: o cadáver em muitos casos desaparece, as provas deixam de existir. No caso do JB – e também da Tribuna da Imprensa – dois jornais em que muitos profissionais deixaram parte de suas vidas, a funesta prática é a destruição sistemática de imagens que contam um pouco de nossa história e estão a desaparecer, talvez para sempre.
Alcyr Cavalcanti fotojornalista e presidente da ARFOC-Brasil